Edição 2083 – Asparagus officinalis

Cada vez mais sem sentido essas capas, não? E se eu disser que, apesar da zoeira da capa e do título desta edição, o assunto desta edição é filhadaputamente sério? Sim, o Ikki gosta de zoar, mas ele precisa falar sério às vezes, como nesta edição que você está lendo agora.

E antes de começar, eu quero deixar bem claro que a minha intenção com este texto não é demonstrar autopiedade. Eu apenas quero evitar que mais pessoas passem pelo que eu passei no meu período pré-himuriano. E isso pode servir pra muita gente nos próximos anos.

Hans Asperger (1906-1980)
Hans Asperger (1906-1980)

Creio que você não conheça este senhor na foto aí do lado. Muito menos o que ele fazia da vida, ou ainda o que ele ele estudou e como os estudos dele mudaram a forma como enxergamos certas coisas. Pois bem, permitam que eu o apresente a você: este é Hans Asperger, um pediatra austríaco, que viveu entre 1906 e 1980. Seus estudos sobre comportamento infantil acabou sendo a base para que se pudesse compreender o que hoje conhecemos como Síndrome de Asperger, que só começou a ser oficialmente visto como um diagnóstico lá pra década de 90.

Tentando resumir a história: Asperger é uma síndrome que se encaixa no espectro autista. Sim, humanos adoradores da Yuki. Estou falando de autismo, aquilo que as pessoas costumam tratar pejorativamente como “mongolismo” ou coisas parecidas… E, por mais que nós no a.k.a. Ikki!! acabe tomando a nós tomando por “autistas”, justamente pela zoeira, desta vez não se trata disso, porque, como eu disse, este é um assunto muito sério.

Max Horowitz, personagem do filme "Mary e Max" (2009)
Max Horowitz, personagem do filme “Mary e Max” (2009)
ALLEJO, PORRA!!

Muita gente por aí que você nem desconfia tem ou teve esta síndrome… Vários cientistas do passado, como Albert Einstein e Isaac Newton, artistas como Michelangelo, passando por Satoshi Tajiri, criador de Pokémon, até chegarmos até ninguém menos que Lionel Messi, este último que todos nós conhecemos muito bem, é o segundo melhor jogador do mundo em atividade atualmente. Claro que eu nem preciso dizer quem é o primeiro…

E em abril do ano passado, eu fui descobrir que esta síndrome também afeta o fundador do a.k.a. Ikki!!, depois de alguns meses estudando sobre o assunto, depois de uma série de eventos muito complicados que ocorreram ao mesmo tempo durante a última semana do mês de maio de 2013 e acabaram desencadeando uma série de problemas psicológicos e físicos. sobre este “aspargo” que vos escreve. Ocorreu que JH-sama achou, sem querer, um artigo que falava sobre a Síndrome de Asperger e teve a impressão de estavam falando de mim naquele artigo, devido às muitas coincidências entre os trejeitos mais comuns nos “aspargos” e o meu modo de ser.

E aí entra uma história que ocorreu comigo mais de vinte anos atrás. Eu cheguei a ser diagnosticado com autismo, numa época em que o autismo era algo binário: ou você ERA autista ou NÃO ERA autista. Nessa época, eu não costumava falar muito, mas já sabia ler e escrever (ainda que com letrinhas de plástico) e observava coisas que as pessoas “normais” nem notavam.

Exemplo: tesoura era “Mundial”, garfo ou faca eram “Hercules”, quando eu queria ir ao Aterro do Flamengo, eu repetia a palavra “Cavan”. Mundial e Hercules eram as marcas dos objetos mencionados, Cavan era a marca dos postes que têm por lá. Não satisfeito, eu era capaz de identificar a rua onde eu estava sem precisar procurar uma placa. Bastava apenas um poste, com quadrados amarelos pintados com uma combinação numérica que identificava as ruas em questão. (os postes da minha rua eram marcados como número 149.)

Dona Florinda e Quico
Dona Florinda e Quico

Minha mãe, no auge de seu “florindismo”, não aceitou este diagnóstico e só sossegou quando conseguiu uma “segunda opinião” que a agradasse. E hoje eu percebo que este foi um erro fatal no meu desenvolvimento, muito embora ela não tivesse culpa. Afinal, como eu disse, autismo era algo binário. E, por conta disso, eu, “normal sem ser normal” acabei tendo problemas nos anos que se seguiram, principalmente durante os anos escolares. Afinal, eu era diferente, mas não sabia.

Aliás, eu só vim a descobrir que a Síndrome de Asperger existia exatamente às 9:38 da manhã de 28 de maio de 2013 (não muito distante do tal turbilhão de fatos que eu mencionei alguns parágrafos anteriores), quando a Janái mencionou isso pela primeira vez numa mensagem de chat no Facebook. Desde então, eu comecei a buscar respostas para essa questão. Terapia, consultas com médicos especializados, tudo o que eu poderia buscar, até que eu recebi, em maio de 2014, após vários testes de QI, personalidade, coordenação motora e similares, o tal diagnóstico que confirmava que eu tenho essa tal Síndrome de Asperger.

Às vezes a gente tem que desenhar...
Às vezes a gente tem que desenhar…

“Então você é autista, Ikki?” Depende. Se você considerar que o autismo é esta bolota azul no desenho acima e que o X representa onde a Síndrome de Asperger se encaixa nisso, então, sim, eu sou autista. Mas, na verdade, o autismo é melhor representado pelo desenho mais colorido, com tons mais fortes e mais fracos e das mais variadas matizes. E note que o X está posicionado exatamente no mesmo lugar dentro dos dois círculos.

Mas qual é o objetivo deste texto, afinal? Tentar fazer com que “algumas pessoas específicas” me compreendam melhor? Sinceramente, não. Quem tem que me compreender, o faz sem precisar de textos didáticos. Quem não o faz, ou não tem culpa ou não me importa. Mas devo dizer que o fato de ser um “aspargo” me trouxe muitos problemas na minha juventude (e o pior: sem eu saber desse problema…) e isso me fez experimentar situações que eu não desejaria nem mesmo ao meu pior inimigo.

Atualmente, eu me encontro relativamente bem. A tal “cruz invisível” que eu carreguei por trinta anos agora é visível, embora eu ainda tenha que carregá-la. Digamos que a Síndrome de Asperger é como um bad-block que você tem no HD. Você NUNCA vai poder arrancar um bad-block fora do seu HD, mesmo formatando ele. O jeito é conviver com isso. A mesma coisa com a Síndrome de Asperger. Você precisa aprender a conviver com isso.

“Mas, Ikki, como são os aspargos?” Não sei, nunca comi e deve ser ruim pra cacete…

#prassa
#prassa

Tá, vamos falar sério agora…

Aspergers costumam ter boa memória pra números, datas e fatos históricos. São detalhistas e, por isso, costumam ser muito bons no que fazem. Geralmente, os portadores desta síndrome são vistos como “superdotados”, por conta de uma inteligência muito grande e incomum (a título de curiosidade, meu QI é de 138…).

No entanto, Aspergers têm uma tendência de gostar sempre das mesmas coisas, de ser repetitivos em seus gostos, quase sempre são isolados e têm dificuldades em ter empatia e, por isso, quase sempre são vistos como egoístas. Alguns dos traços mais comuns dos Aspergers podem ser vistos numa série de cartazes criados por Rodrigo Tramonte e publicados em seu perfil do Facebook.

Por conta da rejeição pela qual acabam passando, isso acaba desenvolvendo outras questões psicológicas mais sérias, entre elas o BULLYING, que acaba levando à tão famosa DEPRESSÃO, que é outra coisa que as pessoas deveriam olhar com mais atenção, porque os efeitos disso são terrivelmente devastadores.

Robin Williams e Fausto Fanti
Robin Williams e Fausto Fanti

Em 2014, num espaço de menos de duas semanas, testemunhamos a morte de dois humoristas que estavam vivendo uma crise depressiva que acabou indo até as últimas consequências. Fausto Fanti e Robin Williams eram ligados ao humor, coisa que eu também sou (embora isso não tenha a ver com o fato de eu ser um Asperger, mas enfim…).

E eu não queria ter o mesmo fim que eles tiveram. Desde então, eu tenho me esforçado MUITO pra tentar melhorar, não pelas pessoas que estão comigo, mas principalmente por mim mesmo. E é por isso que eu resolvi escrever este texto gigantesco. Não é por mim, nem pelas pessoas que me conhecem, mas é por aqueles que eu não conheço, mas que podem ser ajudados por conta deste texto.

Você que tem um filho que parece ser mais inteligente do que o normal? Apoie ele, incentive, não abandone. Se ele tiver problemas na escola, não hesite em ver o que há de errado com ele (mas não seja como a Dona Florinda…). Se ele vier a ser um Asperger, não é o fim do mundo, muito pelo contrário. Talvez se existisse essa informação 20~25 anos atrás, eu poderia ter tido uma qualidade de vida muito melhor do que eu tive…

Claro que a Yuki tem que rir das minhas desgraças...
Claro que a Yuki tem que rir das minhas desgraças…

Se você tem alguma dificuldade de lidar com as adversidades que a vida lhe proporciona, não hesite em procurar ajuda psicológica e/ou psiquiátrica (mas não faça disso uma muleta pra se esquivar de seus problemas). Tenha alguma atividade legal, um hobby, uma diversão, qualquer coisa que o entretenha e/ou divirta.

Ter Síndrome de Asperger não é uma aberração. Aliás, o autismo também não é nenhuma aberração. Isso é só uma forma diferente de enxergar o mundo. É como se normalmente você deduzisse que 2+2=4, mas a gente chega no 4 por intermédio de √16 = 4. Ué, eu também cheguei no 4, qual é a diferença? Não está errado!!

Às vezes, ainda vale a pena acreditar que a vida vale a pena...
Às vezes, ainda vale a pena acreditar que a vida vale a pena…

Por fim, quando se tem o apoio das pessoas certas nas horas em que você precisa, então todo o resto flui naturalmente. Por mais difícil que aparente ser, é bem fácil viver e conviver com a Síndrome de Asperger. É claro que requer certos cuidados a mais, mas com o tempo, você pega o jeito da coisa. Mais ou menos como aprender a jogar videogame em nível asiático…

Imagem meramente ilustrativa...
Imagem meramente ilustrativa…

OK, também não chega a tanto…

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